quarta-feira, 4 de março de 2009

NAS MONTANHAS (2ª PARTE)

Era o terceiro dia nas gigantescas montanhas. Artur estava na sua tenda definitiva a almoçar. De vez em quando soprava uma ténue aragem que procurava entre os arbustos uma prova de vida.
Ele, desde o primeiro momento que tinha posto os seus pés naquele sombrio lugar, que, em vez de Artur emanar confiança e esperança para continuar, irradiava algo de sobrenatural, algo que se eleva-se a qualquer coisa humana, algo que não brincava com os sentimentos duma pessoa, mas algo que procura-se no mais fundo lugar do seu íntimo, fazendo essa mesma pessoa sentir-se num mundo em que tudo é morto e inerte, sombrio e maculado de verdadeiro pecado.
Artur olhou para a sua tenda, mas procurava uma coisa: uns punhais. Examinou minuciosamente a sua tenda, e pouco depois, encontrou vários punhais. Eram três: uma tinha o cabo bordado a ouro, e nele estavam embutidas esmeraldas e safiras, com a lâmina em prata. A outra era diferente: tinha o cabo de prata, com rubis, e a lâmina era de ouro. Finalmente, a última, era a menos opulenta, mas a mais bonita para Artur. Tinha o cabo em aço, com desenhos um pouco confusos, deviam ser de árvores, ou algo semelhante, e a lâmina, muito trabalhada, com desenhos élficos. Essa lâmina emanava tal sensação de épocas arcaicas que Artur até se questionou se não teria centenas, até milénios de anos, quando os elfos, os entes, as fadas reinavam na terra. Artur, pensando para si mesmo, alvitrou: “Tenho a certeza de este pequeno punhal é um precioso artefacto…”
Depois, deitou-se por cima da urze, estava calor, e em breves momentos depois observou as árvores. Estava numa floresta composta por tílias, abetos, carvalhos e pinheiros. Os carvalhos, com grande envergadura, envergavam miríades de folhas. Olhou para o céu. Há dias que andava de viagem, comendo pouco, e não dormindo praticamente. Uma ponta de inveja desenhava-se no seu rosto. Ele gostava de ser uma nuvem, branquinha, imaculada, e livre de quaisquer obrigações. Eles passavam devagar e imponentemente pelo céu azul-turquesa, fazendo trejeitos engraçados. As nuvens moveram-se pesadamente e impetuosamente, ocultando o sol temporariamente. O rosto de Artur estava agora desprovido de sol. Mas, depois a silhueta das nuvens voltaram a trazer o sol de volta á terra, anunciando uma festa para as criaturas vivas, e o semblante de Artur voltou a ser iluminado. Os minutos iam passando e ele estava ali, olhando para as nuvens. Os minutos rapidamente foram passando até que, pouco a pouco, o sono se foi apoderando dele e tudo se transformou num grande borrão azul - esverdeado.

Artur acordou de sobressalto. Estava a suar bastante, com uma sensação que fora arrancado do seu espaço tangível, e que estava num mundo estranhamente virtual, como num sonho, ou num jogo de computador. Soprava uma ténue brisa vinda de Oeste, mas alternava-se a brisa compassadamente entre Poente e a Nascente. Ainda meio confuso, sentou-se num tronco, junto ao mar, assistindo a um bonito, mas estranhamente demorado crepúsculo, mas o sol não era normal, era muito maior e mais vermelho, muito melancólico e muito velho. “Isto tudo não passa de um sonho…” – Especulou sucintamente Artur, relutantemente, com receio que aquilo pudesse ser a própria realidade, mas o lugar onde se encontrava estava completamente mudado. Apesar disso, ele esperava acordar à tarde, não em pleno crepúsculo vespertino.
“…a não ser que alguém me tenha levado para aqui”- completou Artur a sua frase, parecendo a mais lógica. Artur há pouco estava demasiado preocupado e aflito para observar o espaço e o lugar donde se encontrava. Mas, depois de observar o espaço à sua volta atentamente, discerniu vários elementos do cenário. Estava numa clareira, e como estava aparentava estar demasiado calor, devia ser verão. Um pequeno lago estava entre um promontório e entre uma casita. Tordos e andorinhas voavam freneticamente descrevendo órbitas rectilíneas e curvilíneas descompassadamente.
Viu um velho. Aproximou-se e perguntou educadamente:
-Boas. Sabe dizer onde estamos? – Disse Artur relutantemente, tentando que a pergunta não soasse estúpida, mas em vão.
- No nada. – Respondeu o velho, com uma má disposição evidente.
-Não percebo, mas pronto…- retorquiu Artur, - Como se chama?
-Que te interessa?
-Bem, não sei… - disse Artur sucintamente, não por estar mal – humorado, ou confuso, mas porque simplesmente, para ele, essas palavras chegavam.
-Não falo com escumalha, nem me dou com pessoas como tu, nem com pessoas com poderes mágicos. – Alvitrou o velho. - Graças a essa ralé, é que aqui estou.
-O quê? Mas nem me conhece! Não me precisa de tratar com esse desabrimento!
-Cala-te! – Já conheci muitas pessoas como tu que aqui vieram parar. – Já explorei este mundo, que é muito pequeno. Já procurei em todos os desabrimentos e em todas as planícies. Até que deduzi: isto é uma espécie de inferno!
O velho estava a suar bastante. Mas, por mais estranho que fosse ele sentia muito frio e sentia-se molhado. O velho mantinha-se ali, cofiando a barba de vez em quando, e fitando-o com uma cara de caso, franzindo o sobrolho. Envergava vestes muito simples, e uns simplórios sapatos. A sua cara enrugada demonstrava ansiedade, demonstrando que não era assim tão frequente receber pessoas.
-Não se sente frio? – Perguntou Artur apertando as mãos nos ombros, e ao mesmo tempo, inconscientemente, tentando desesperadamente salvar a situação delicada que os envolvia. O velho era provavelmente a única maneira de obter informações sobre aquele estranho sítio. O velho, quanto a ele, valia-lhe a companhia de Artur.
-Não, por acaso está bastante calor, sempre tem estado. – Retorquiu o velho.
- De qualquer maneira, jovem, - Artur já tinha alguma idade, o que demonstra que o velho estava lá há mais de uns bons oitenta anos - entre em minha casa, afinal já há vinte anos que não recebo ninguém.
-Não. Você é uma pessoa execrável e egoísta. Afirmou coisas sobre mim mas, afinal, não tem bases para se apoiar, não tinhas argumentos para dizer tal coisa sobre mim. - Embora Artur tivesse dito isto, uma coisa revolvia-lhe as entranhas, parecendo-lhe a ele que a situação estava completamente perdida.
Durante alguns momentos um silêncio sepulcral envolveu a atmosfera dos dois, originando uma sensação desconfortável. Ouviam-se os pássaros a piar vivamente, com um ímpeto colossal. Depois, para espanto de Artur, o velho abriu a sua boca, anunciando a sua resposta iminente:
- Era só um teste. Vou conter-lhe uma coisa: Há muitos anos, há mesmo muitos anos, era uma criança, quando encontrei uns bosques que diziam que era sagrado. Não avisei ninguém e um dia resolvi aventurar-me. Mas acabei por perder-me. Tentei encontrar o caminho de regresso, mas não consegui e o sono dominou-me. Quando acordei, estava neste mundo. Enfim… Depois conto-te a história toda. Mudando de assunto, que idade achas que tenho?
-Irrefutavelmente, oitenta anos. – Respondeu com sinceridade e com mais precisão que conseguiu transmitir.
O velho retorquiu perplexo:
- Oitenta anos… Na verdade tenho oitenta anos. Mas só que com mais cem. Ou seja cento e oitenta.
- O quê? – Exclamou completamente perplexo Artur.
- Isso mesmo, cento e oitenta, - Respondeu o velho com orgulho e melancolia ao mesmo tempo, fazendo Artur sentindo-se confuso – neste planeta não morres, só envelheces. Estar aqui é o mesmo que estar numa fonte da vida. – Alvitrou o velho. - Entra.
O velho zelosamente abriu a porta do que evidentemente era o sítio onde residia e entrou. Artur até pensou que o velho estaria incumbido de limpar e manter a ordem naquela casa, como se a casa não fosse sua, pois estava tudo imaculado e desprovido de qualquer tipo de sujidade. Obedeceu ao velho. Tinha uma casa faustosa, mas só o interior. A cama com lençóis de seda parecia cama dum rei. O velho tinha coisas luxuosas, mas poucas. Á excepção duma jarra de porcelana que elucidava tempos arcaicos, como o tempo da magia élfica, a cama, o sofá e um estranho utensílio de que Artur não conseguiu discernir o que era á primeira vez, o resto da casa era praticamente normal. Mas por fora a casa parecia mais um casebre. Artur ficou confuso com a comparação; se lá fora estava tudo pobre e a cair, porque é que por dentro a casa era bonita, e elegante? Então o velho sentou-se no seu sofá e com cara de caso começou a matutar em qualquer coisa, mas primeiro acendeu o cachimbo. Artur sentou-se também. Os minutos iam passando. Tudo, mesmo tudo naquela casa era mágico, maravilhoso, intrigante, belo. O velho, aparentemente, quase morto, com muita dificuldade em andar, - Que Artur percebeu logo na primeira vez que olhou para ele, estafado e farto da vida como um velho – o velho dirigiu-se á lareira, depositou lá alguns paus – Embora com muito esforço – e proferiu estranhas palavras, fazendo com que a lareira se acende-se, gradualmente, pouco a pouco. Artur ficou espantado e perguntou ao velho, como fizera aquilo, pelo que o velho respondeu: “Sou um eremita, sei lidar com a magia!”. De seguida sentou-se e voltou ao seu estado de pensamentos “sábios”. Ouvia-se apenas a lenha a crepitar, envolta na sua rede de magia, e a respiração compassada dos dois. Artur intrigou-se de como é que o velho teria parado ao mundo em que agora estava inserido. Ele dissera que graça á escumalha é que tinha ali parado, mas também que se tinha aventurado pelo bosque sagrado. Tentando desviar as suas introspecções funestas, Artur estava ciente em que já tinha visto o estranho e enigmático utensílio. Artur levantou-se impaciente em direcção ao utensílio, mas tropeçou no que aparentava ser um simples lençol de cama, e o era, e caiu, derrubando a irrefutavelmente cara e preciosa jarra.
O velho levantou-se de súbito, e com uma raiva que se tivesse capacidade de a emanar, era capaz de derreter rocha, transformando-a em cinza. Começou a praguejar e vociferar palavrões. Quando se acalmou um pouco, mas ainda muito zangado replicou:
Que delito que causaste! Que incúria da tua parte! A minha almejada jarra, partida! – Disse sem fôlego e bastante irado o velho. – Fora da minha casa! Rua seu vândalo!
Artur percebeu que o velho era bastante irascível, e o seu humor era bastante volúvel. Foi então que se causou a derradeira e última querela entre os dois. Ora ofendia um o outro ou vice-versa.
-Não te quero mais aqui! Rua! – Disse o velho, estando iminente o fim da contenda, mas com um pouco de relutância.
-Estou de saída. – Disse Artur bruscamente, e irado.
Dirigiu-se á porta, agarrou o puxador, já do lado de fora, vacilou um pouco, mas depois fechou a porta com quanta força podia. Tal foi a força que partiu parte do tecto, fazendo estremecer o chão, fazendo tudo retumbar. Lá fora, ele sentou-se, aflito, respirando descompassadamente. O velho saiu de casa disparado e agarrou-o pelo pescoço, murmurando umas palavras esquisitas que Artur nunca ouvira. A última visão de Artur naquele mundo foi ver o velho ir-se embora para a sua agora destruída casa.
Não, não, não! – Gritou ele, antes de, antes de…acordar.
Subitamente acordou, abrindo os olhos relutantemente, como se houvesse esperança de estar vivo. A sua respiração estava descompassada. Passaram uns longos minutos e a sua respiração voltou a estar compassada. Foi então que reparou que já estava noite e o sol já se pusera. Reparou então de que tudo não passava de um sonho, melhor dito um pesadelo. O solo estava ligeiramente húmido e o ar fresco revelando que tinha chuviscado recentemente. Então, isso explicaria, porque em pleno sonho que aparentava estar lá muito calor e ele tinha frio e sentia-se molhado, enquanto no seu mundo, estava a dormir, e estivera a chuviscar.
Sentou-se. Tinha a boca húmida e os olhos esbugalhados. Reparou então em duas silhuetas, silhuetas de homens provavelmente, ou coisas altas, que na escuridão não era possível discernir o que eram. Artur ficou aflito e tentou permanecer imóvel enquanto as misteriosas pessoas – ou coisas – se movia rapidamente. As criaturas proferiram algumas palavras na língua arcaica, a língua dos elfos. Então as silhuetas moveram-se para uma posição de claridade, enquanto Artur as viu e gritou aterrorizado do que via. Eram…!

Rafael Belchior, nº18, 7ºC

Sem comentários: